Axé Odé Inlé

Candomblé com seriedade, respeito e tradição

Baixada Santista - SP

*Babalorixá Lucas de Odé
Lucas Junot é natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, formado em jornalismo pela Universidade Federal do mesmo Estado (UFMS), pós-graduando em Marketing pela PUC (Pontifícia Universidade Católica), casado, pai de três filhos e sacerdote do Ilê Iyeiyeo Axé Odé Inlé, na cidade de Itanhaém, Baixada Santista, litoral sul de São Paulo.

Babalorixá Lucas – presente de Oxum, em 2017. Foto: Marcos Ermínio/Campos Grande News

À esquerda, Babalorixá Caccioli de Ayrá e à direita Babalorixá Lucas de Odé, em comemoração aos 14 anos de Oxossi, em 2014. Foto: Arquivo

Candomblé pra falar de fé!

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Em março de 2021, estreou no Youtube o canal “Candomblé pra falar de Fé”, uma iniciativa modesta, absolutamente despretensiosa, mas munida de um propósito nobre: popular a internet com informações úteis e fidedignas sobre o Candomblé, os Orixás e a cosmovisão das comunidades tradicionais de terreiro.

O que é o Candomblé? O Candomblé acredita em Deus? Pra que serve a iniciação no Candomblé? “Sacrifício de animais”. Candomblé mata bicho? O que são os Orixás? Candomblé acredita na vida após a morte? Essas e muitas outras perguntas são as pautas do canal do Babalorixá Lucas de Odé no Youtube.

Viver o que se prega

O Babalorixá

Essa aqui não é uma biografia convencional. As frequentes conversas que tenho, com diferentes pessoas do Candomblé – que ocasionalmente tenham sofrido enganos e decepções no meio religioso – sempre convergem para um mesmo ponto: como confiar e saber se um “pai de santo” é sério, se está falando a verdade. Como recomeçar? Para responder, quero contar uma história que talvez possa servir para alguém. A minha própria.

Nasci e me criei em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Filho biológico de Iyalorixá, me vi desde muito cedo dentro do terreiro que minha mãe fundou em 1989. Diferentemente dos meus irmãos biológicos, eu nem sabia o porquê, mas eu queria estar naquele lugar e insisti pra isso, a contragosto de minha mãe, que acreditava na época que deveríamos crescer e escolher nossos próprios caminhos. Prova disso é que tenho um irmão pastor e outro desprendido de crenças religiosas.

Na época, os Candomblés de Campo Grande eram extremamente carentes de um segmento tradicional. Nem se falava em casas matrizes, não havia parâmetros definidos, nem tampouco a possibilidade de fazermos essas descobertas. Predominava na realidade local um Candomblé de Angola, extremamente simplista, miscigenado e informal, que, ressalte-se, à época serviu a muita gente…

Até por uma questão geográfica, Mato Grosso do Sul não fora favorecido com a herança cultural africana. É um Estado localizado no outro extremo do País, ao Oeste, longe de portos e mares. A realidade econômica da época também era outra. Pegar um avião era coisa pra ricos. A Bahia era só um lugar que sabíamos que existia, Salvador estava a aproximadamente 2.500 quilômetros e São Paulo também era muito longe, a 1.100 quilômetros.
Com o tempo começaram a chegar os primeiros Babalorixás de São Paulo, em sua maioria do interior, vislumbrando ali um mercado promissor. Não tínhamos vivência e nem condições de discernir seus conhecimentos. Pareciam ter conhecimento de causa do que chamavam de nação Ketu. E arrebanharam muitos seguidores.
Carentes e necessitados, muitos embarcaram naquela promessa, inclusive minha mãe e eu. Nos idos de 1999 eu seria iniciado, ou pelo menos acreditei que seria. Eu tinha 11 anos de idade. Fiquei 28 dias dentro de um quarto, rezei dioturnamente, comi com as mãos, ganhei uma gargantilha azul, perdi os cabelos, colocaram-me um chifrinho e recebi um novo nome: “Pejigã”. O que era aquilo? Segundo a cultura da época, era como se chamava o filho biológico de uma mãe ou pai de santo, o herdeiro do axé. Amém? Amém! Todos disseram.
Em seguida da minha suposta iniciação, o “pai de santo” aprontou com um monte de gente e sumiu da cidade, deixando muitos desamparados. Em seguida, foi a Campo Grande uma senhora que teria um papel fundamental na minha trajetória. Dona Derluci de Oxossi. Uma senhora de idade, oriunda de Birigui, filha de seu João de Ogum, que guardava um parentesco distante com o terreiro do Gantois, mas que nunca usou o nome daquela casa para se promover. Ela foi para ajudar outros irmãos de fé na mesma situação. Eu ainda era uma criança. Ela perguntara a minha mãe as circunstâncias de minha iniciação. Com alguma proza mãe Derluci revelara que não poderia ser eu “pejigãn”, que era eu filho de mãe de santo e precisava ser preparado para dar continuidade aquilo que minha mãe começara.
Novamente estava eu dentro daquele quarto. Submetido à uma série de ritos, tudo de novo, com diferenças gritantes. Ali eu nascia no Candomblé, no dia 23 de outubro de 1999. Dali em diante a coisa seguiu seu curso. Odé, meu Deus, morava em mim e contaria dali em diante a minha história.

Anos se seguiram e tudo transcorreu dentro da normalidade. Eu não fui um iyawo convencional, não tive a alegria de ser possuído pelo meu Deus e também não fui fantasiado Dele para constar. O entendimento era muito simples: eu era uma criança. E por anos segui assim. Logo me senti parte de tudo aquilo, ajudava minha mãe dentro do terreiro e tomei gosto. Acho que como qualquer criança no Candomblé, minha primeira paixão foram os atabaques e eu tinha certa facilidade para aquilo. Aprendia de ouvido e tão logo mostrei habilidade, passei a ajudar nas giras da cidade inteira, ainda que nem tamanho tivesse para alcançar muitos dos tambores que toquei.

Dona Derluci já era uma senhora e tinha as limitações da idade, não podia ser muito presente. A distância e nossos recursos eram agravantes. Ela havia feito o que precisava para corrigir o erro que cometeram comigo. Depois recebemos a notícia de que havia falecido, o que de fato só aconteceu anos depois, mas já havíamos perdido contato.

Como eu seguiria dali em diante? Eu queria seguir, minha mãe queria seguir. Largar o Candomblé é algo que mesmo eu, com a minha autonomia de criança não pensava. Eu queria aquilo, amava aquilo… O Candomblé era minha brincadeira e também a minha pretensa realização de mostrar alguma maturidade, ainda que eu não tivesse nenhuma.

Mais alguns anos se passaram, eu tinha obrigações a tomar. Na cidade havia um Babalorixá já muito sabido e autônomo. Nascido do Angola, um dos primeiros a adentrar aquela nação diferente, com uma vertente que chamava-se de Efon. Pai Alexandre de Oxum. Com ele tomei as obrigações que tinha pendentes e recebi o que chamavam na época de Deka. Uma peneira, uma cabaça e diversos petrechos que me outorgavam o direito de ministrar qualquer ritual dali em diante.
Eu jamais havia pensado em ter um título, mal compreendia o que aquilo significava, mas eu já era rapaz e meu amor pelo Candomblé já havia se enraizado.
Dali em diante segui. Nessa época Campo Grande também percebeu que precisava se corrigir, a internet já nos possibilitava ver o mundo além das nossas fronteiras e estabelecer alguns parâmetros. Outros tantos pais e mães de santo saíram nessa busca e a cidade começou a se reformular.
Aí era minha mãe quem precisava de amparo e meu pai Alexandre, amigo particular de minha mãe, numa atitude nobre e sem precedentes na história me falou pra seguir em frente e acompanhar minha mãe, onde ela fosse, pois na época ainda acreditávamos que só alguém mais velho que a gente poderia nos cuidar espiritualmente e uma casa só poderia levantar uma bandeira. Um homem sábio, à frente de seu tempo, pelo qual ainda preservo um grande carinho, gratidão, respeito e amizade.
Seguimos. Aí os tempos já eram outros. Começamos a viajar, conhecer pessoas, começamos a nos esclarecer, mesmo com alguns tropeços, observar os avanços de outros irmãos de fé de nossa cidade que se ampararam também em casas tradicionais e a ter crivo para fazer nossas ponderações.
Nesse período recebemos ajuda de outro babalorixá, que alimentou nossos santos e nos forneceu as diretrizes para seguir.
Como o destino é providencial! Em dezembro de 2013 conheci aquela que viria a ser minha esposa algum tempo depois. Luana, também era e é do Candomblé. Ela, diferente de mim, deu a sorte de nascer numa casa geograficamente favorecida, na Grande São Paulo. Fui conhecer o pai de santo dela. Ouvia apenas que ele era extremamente radical e de lida difícil. Era uma Sexta-feira Santa, em 2014 e lá estávamos nós, a caminho do Riacho Grande. Andamos, andamos, andamos, atravessei uma balsa, andamos mais até que chegamos ao Ilê Iyeiyeo Axé Ayrá Intilé. Lá estava ele, pai Caccioli de Ayrá.
Não sei dizer porquê, nem como… só encontro explicação religiosa para isso tudo que chamo de providência Divina. Naquele radical de sangue italiano vi os princípios morais e religiosos que sempre quis pra mim. Enfiado nos confins do Riacho Grande, aquele era o Babalorixá que eu queria ser. Mais do que seguir, encontrei alguém para me espelhar. Dedicado a uma rotina simples, fiel a seus princípios, obstinado em suas práticas, vivendo o Candomblé muito além de uma religião, mas como modo de vida. Me senti parte daquela casa assim que pisei lá. 

A partir daí, claro com todos os agradecimentos àqueles que me ajudaram, comecei a ser lapidado para o que sou hoje. Em 2015 trouxe o Axé Odé Inlé para o Estado de São Paulo, inicialmente no Riacho Grande, mas tive a obra embargada pela Prefeitura de São Bernardo e com o barracão já na altura das janelas, tivemos que demolir tudo. Sem condições de seguir, retornei a Campo Grande.

Nesse meio tempo, falece o Babalorixá Reizinho de Oxoguian, amigo pessoal do meu Babalorixá, dirigente do Ilê Axé Omo Ketu, em Ribeirão Pires. Pai Caccioli realizou os ritos fúnebres do amigo, obrigacionou sua esposa e, após o período de luto, me pediu para ajudar na reabertura do Axé.

Novamente em São Paulo, morando em um quarto alugado com esposa e filho, Oxoguian mais uma vez intercedeu em minha vida. Depois de uma conversa com meu pai Caccioli, um irmão de santo, Francisco de Oxoguian, se ofereceu para emprestar o dinheiro que garantiria o solo sagrado do Axé Odé Inlé para a posteridade. Aqui estamos. Candomblé com seriedade, respeito e tradição, estabelecido e enraizado na cidade de Itanhaém, baixada santista.

E para todos os que tenham tido seus tropeços, minha mensagem é: orgulhe-se da sua história, seja fiel aos seus valores. Tudo aquilo que é do destino também conta com a providência. O início da sua história pode ser difícil. O de todos os vencedores foi. Contudo, a única coisa que realmente importa é: Qual o propósito da sua vida? O meu é cuidar de Orixá!

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No Candomblé existe um panteão de Deuses, os Orixás, que, segundo a cosmovisão da religião, representam diferentes forças da natureza e energias que movimentam o mundo e estão em tudo. Das situações práticas do cotidiano, aos sentimentos, aspirações e necessidades humanas, sejam elas materiais, emocionais ou mesmo psicológicas.

Ao longo de um ano, as casas de Candomblé prestam culto a cada um dos Orixás em diferentes datas. São essas as “datas de calendário”, como costumamos dizer. Contudo, a liturgia do Candomblé não se resume aos festejos públicos. Em cada uma dessas ocasiões, uma serie de ritos se encarregam de evocar a energia dos Orixás e é aí que a comunidade encontra sentido prático para essas celebrações.

No Ilê Iyeiyeo Axé Odé Inlé, são realizadas sete grandes celebrações anuais: Águas de Oxalá, Ogun, Oxum e Iyemanjá, Oxóssi (Patrono do Axé), Xangô, Olubajé (quando são homenageados os Orixás da família Kerejebi – família de Omolú/Obaluayê) e Oyá e Ibeji. Em cada uma delas existe um sentido litúrgico e espiritual que acreditamos nos revestir com um tipo de Axé.

Resumidamente, nas Águas de Oxalá celebramos a vida, o ano novo e buscamos a redenção do Grande Orixá para os “pecados” cometidos; Em Ogum buscamos o caminho e a proteção; Oxum e Iyemanjá nos conferem o amor, o cuidado com a família; Xangô está associado à nobreza, à justiça e à misericórdia; o Olubajé é nosso “ebó anual” pela saúde; Oyá e Ibeji é data que acreditamos espantar energias ruins e celebramos a felicidade, a alegria… 

Cada uma das datas do calendário de uma casa de Candomblé têm uma utilidade prática na vida do “povo de santo” e é por meio delas e das nossas obrigações individuais que repomos o Axé e que sustenta nossas vidas.  

Assista o vídeo

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ÁGUAS DE OXALÁ

JANEIRO

OGUM

MARÇO

OXUM & IYEMANJA

ABRIL

OXOSSI (Patrono do Axé)

JUNHO

XANGÔ

JULHO

OLUBAJÉ

SETEMBRO

OYÁ & IBEJI

Próxima festividade: 17 de dezembro de 2023 – às 18h

Como chegar

Localizado na cidade de Itanhaém, o acesso à casa de Oxossi é rápido e fácil. No Google Maps, basta pesquisar por “Ilê Iyeiyeo Axé Odé Inlé” e você vai chegar  sem nenhuma dificuldade.

Rua Coronel Joaquim Branco, 4795 – Aguapeú, Itanhaém – SP. Conhecida como “Estrada da Mambu”.